18/12/2012

Apenas um conto de (A chuva no fim da tarde).



As nuvens ficaram cinzas, escuras e começaram a se juntar, ao olhar para trás, o céu parecia noite. _Corre, vai cair um pé d'água daqueles de levantar os telhados! _ Foi o que ouvi da minha avó, ela gritava para mim do fundo do quintal de casa.

Aquela tarde entrei correndo para dentro mas queria ficar, ficar vendo as sacolas de supermercado voarem no céu, queria ficar vendo as andorinhas voltando para o abrigo a se proteger da chuva que viria, queria ficar vendo o asfalto ainda quente soltar fumaça pelas gotas d'água que caiam no chão.

Minha avó corria para recolher as roupas no varal, eu corria para que não desobedecer a uma ordem dela, mas no fundo eu queria ficar. Eu queria ficar pra sentir a chuva escorrer no meu rosto e estremecer com a água fria que escorreria no meu corpo quente. Queria fazer uma barreira com os pés na sarjeta para não deixar a aguá passar, mesmo sabendo que meus dois pés não iriam ser o suficiente. Eu queria ficar com as crianças que ficaram jogando betis, eu queria correr atrás da bola que era arremessada forte e atravessava a avenida e também queria sentir o perigo de atravessar para buscá-la. Eu queria naquela tarde viver mais um pouquinho do tempo de criança, viver o não saber se o que eu queria era porque eu queria, ou porque eu não podia ter.

Aquela tarde fiquei na sala assistindo a TV, mais prestava atenção no barulho da chuva do que em qualquer outra pessoa que estava ao meu redor. Nada me distraía, o chá quente com torradas feitas de fatias de pão e manteiga que acabava de sair do forno não me distraía, não me distraia a cena de amor que acontecia no filme da sessão da tarde, não me distraía minha vó engasgando com as torradas. A chuva estava tão forte que fiquei imaginando se tivesse lá fora viria um raio a me acertar na cara, fiquei pensando no que minha avó dizia que se proteger da chuva de baixo das árvores também atrairia raios.

Hoje a chuva cai lá fora e estou pensando porque fiquei pensando tanto e não enfrentei tudo e todos para que hoje essas lembranças focem de algo que aconteceu e não de algo que gostaria que tivesse acontecido. Uma atitude de rebeldia na infância me traria hoje coragem para uma atitude de rebeldia na minha vida adulta. Seria bom? Seria ruim? Seria uma oportunidade para não fingir ou fugir dos desejos que deparo ao deitar minha cabeça no travesseiro. Um comprimido a menos de Dorlex.

Hoje a chuva cai lá fora, e não disse tudo que queria dizer ao meu vizinho que me enlouqueceu no domingo com aquele volume alto do som ao fazer um churrasco. Não disse tudo a um amigo que foi morar em outra cidade e provavelmente nunca mais o verei, sinto a falta dele. Não disse aquele homem que me pediu um cigarro na rua que trabalhei muito para ter um maço cheio no bolso. Não disse tantas coisas. Ainda guardo tantas coisas. Prometo sair na chuva da próxima vez e me molhar, prometo não ficar passando vontade na sala enquanto que não é ali o lugar que eu queria estar.

Quando a chuva parou a primeira coisa que fiz foi sair no portão, queria ver se ainda encontrava as outras crianças jogando betis, curioso para ver como aquela forte chuva deixou a rua. Ao olhar para cima algumas nuvens se abriam mostrando por trás o azul do céu. Tudo havia silenciado, a rua até no fim dela estava vazia sem ninguém para contar como foi. E só eu pra contar como teria sido.

 

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